segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Café Barista : um momento raro de prazer

10/08/2010 - Barista estuda com cuidado grãos especiais de café
ANA PAULA BONI
DE SÃO PAULO
Uma xícara de expresso com crema caramelo-avermelhada chega à mesa do Coffee Lab, em Pinheiros, acompanhada de uma porção de "cream cheese". O cliente toma um gole de café, depois uma colherada do queijo e mais um gole da bebida. Tudo se harmoniza na boca. Como um bom vinho que pode ser melhorado se servido com a comida certa.
O ritual de Isabela Raposeiras, 36, uma das baristas mais conceituadas do país e dona da cafeteria, é uma chacoalhada no costume de se tomar café em uma golada mecânica e rápida, geralmente ao final de uma refeição, enquanto se paga a conta.
Barista Isabela Raposeiras, do Coffee Lab; sua cafeteria, no bairro de Pinheiros, completou um ano na última semana
Rodeada por grãos que torra em sua loja, onde também funciona a Academia de Barismo, ela reivindica que o café é como o vinho, uma bebida cheia de complexidade, mas que não recebe a devida atenção. "Por mais que a gente produza aqui, o vinho é uma cultura importada, chique. O café, infelizmente, é banal. Está na nossa mesa há séculos."
É contra essa banalização do café na rotina do brasileiro que Isabela faz campanha desde que enveredou pela área, há dez anos. Não que seja "café-chata", pelo contrário. "Eu não acho um crime adoçar café. Cada paladar tem seu limiar de doçura e a pessoa deve ter prazer com a bebida. Mas um bom café não faz com que você sinta vontade de adoçá-lo."
Barista Isabela Raposeiras, do Coffee Lab; sua cafeteria, no bairro de Pinheiros, completou um ano na última semana
- Patrícia Araújo/Folhapress
No Coffee Lab, que completou um ano na última semana, ela treina um pouco mais a retórica com seus clientes, que podem se servir de cafés especiais com diferentes tipos de grão (bourbon amarelo, bourbon vermelho) e diferentes extrações (expresso, aeropress).
Lá, eles descobrem que uma boa bebida carrega notas de acidez, mas deve dispensar o amargor. "O problema é que o brasileiro descreve tudo que é desagradável como ácido, até mesmo o amargor, e adoça o café antes de prová-lo." Para não haver confusão, seus baristas passaram a se referir ao ácido como "azedinho".
Por meio da Academia de Barismo, criada em 2004, a especialista realiza cursos, cria "blends" e presta consultoria. Há dois anos, topou criar um cardápio de receitas com café para a NiceCup, na Vila Mariana. Um dos pratos é um sanduíche croque monsieur cujo creme bechamel leva uma dose de expresso.
Comida, na verdade, foi o que fez Isabela se render ao café. Apesar de filha de uma consumidora contumaz da bebida e neta de um produtor de grãos, esse era um assunto lateral, limitado ao despertar do dia. Enquanto isso, gostava de experimentar ingredientes na cozinha.
Nascida no Rio, havia morado em Porto Alegre e Brasília, tinha sido bailarina e atriz profissional, iniciado a faculdade de psicologia e transferido sua vida para São Paulo quando uma amiga a convidou a abrir uma cafeteria, de cujo cardápio seria responsável, uma década atrás.
Aos 26 anos, veio a epifania. "Descobri que tinha um tal de café especial, numa época em que havia apenas quatro marcas no Brasil." Foi estudar um pouco mais e acabou passando um ano na fazenda Ipanema, em Alfenas (MG). Logo depois, em 2002, um grupo de baristas noruegueses montaram um curso durante o qual selecionariam 12 competidores para o 1º Campeonato Nacional de Baristas. Para sua própria surpresa, foi a vencedora. Naquele mesmo ano foi estudar na Suíça, na Dinamarca e na Noruega.
"Foi assim que começou a minha rotina anual de viajar à Escandinávia, onde o consumo de café é altíssimo", diz. "Um norueguês consome 12 kg de café por ano, enquanto um brasileiro ainda consome 5 kg/ano."
Numa dessas viagens, em 2003, Isabela estudou a torra e aplica seus conhecimentos numa máquina torrefadora importada de altíssima qualidade, que custou R$ 80 mil e por onde passam grãos especiais trazidos de microlotes de fazendas mineiras e paulistas. "A torra pode estragar um café em cinco segundos. O nosso objetivo é manifestar todo o trabalho de qualidade que o produtor fez, cuidando desse grão."
Hoje, a juíza de degustação --certificada internacionalmente pela Specialty Coffee Association of America-- nem pensa mais na psicologia, faculdade finalizada apenas em 2008. "Por 17 anos, acreditei que eu seria psicóloga. Quando peguei o diploma, enfim, pensei: 'Não, meu lance é o café'."
O que faz um bom café
GRÃO: Deve ser moído pouco antes do preparo. Se não, oxida e "morre". Um moedor custa cerca de R$ 80
ÁGUA: Deve ser mineral ou de carvão ativado. A água da torneira tem cloro, que destrói os óleos essenciais
MÉTODOS:
Coado: Como dissolve menos sólidos, é o menos complexo em aromas e sabores. A moagem do grão pode ser fina ou grossa
French press: Infusão que dura cinco minutos e extrai mais detalhes que o coado. O pó deve ser moído mais grosso que o vendido em supermercados
Aeropress: Funciona com pressão manual, o que faz o café ter complexidade de expresso e textura de coado. Pode ser qualquer moagem
Mocha: Como passa pelo pó com pressão, tem características parecidas com a do aeropress, mas deve ter moagem grossa
Expresso: Método mais complexo, deve resultar em crema espessa, "com cor de calda de pudim", que cubra toda a bebida e persista por um minuto

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